Este
texto destina-se a leitores(as) que possuam base mínima de Física para
ingressar no primeiro ano de um curso de Engenharia.
Será legítimo
afirmar “Este fenómeno físico existe necessariamente, porque eu o calculei”?
Algum tempo
atrás, deparei-me com um resultado de cálculo deveras surpreendente: tendo dois
discos lisos, de igual dimensão radial, coaxiais e paralelos, ambos abertos
para a atmosfera, um fixo e outro rotativo, o meu trabalho de “cálculo numérico
de escoamentos” indicou que o ar contido entre ambos poderia rodar mais
depressa do que o próprio disco rotativo!! Para tal, bastava aspirar ar através
de uma abertura feita no disco fixo, na proximidade do eixo de rotação.
Face a tal
resultado de cálculo, a minha primeira reação foi concluir, perplexo, que o
processo numérico estava simplesmente a divergir! Mas não desisti: fiz várias
verificações e testes, todos eles conducentes ao mesmo resultado. Decidi,
assim, ponderar sobre a eventual plausibilidade física desta previsão numérica.
Fez-se, então,
luz! Passo a explicar. Na proximidade imediata de cada disco, há variações
muito fortes de velocidade do ar, que precisa de se adaptar à velocidade de
ambos os discos. Assim, o efeito dissipativo exercido pela viscosidade do ar nestas
“camadas limite” é importante. Porém, entre ambas estas duas zonas “singulares”,
o ar roda quase em bloco, e a dissipação viscosa é muito pequena.
Por outras
palavras, a quantidade de movimento angular, que representa o produto da
velocidade angular local pelo quadrado do valor local do raio, tende a
conservar-se, em cada elemento de fluido, durante o seu movimento.
Ao aspirar o fluido através da abertura acima referida, estamos a sobrepor,
ao escoamento de rotação, um escoamento centrípeto, ou seja, dirigido da
periferia para o eixo. Significa isto que a posição radial de cada elemento de
fluido está a diminuir, em consequência da aspiração imposta. Como a quantidade
de movimento angular da zona que roda “em bloco” tende a manter-se, tal só é
possível se a velocidade angular aumentar em consequência. Faz sentido, não?
Para tirar dúvidas,
havia que proceder ao que se designa por “validação” do cálculo numérico.
Elaborei então uma pequena montagem laboratorial, com as mesmas condições do
cálculo. Depois, medi a velocidade de rotação do fluido entre os discos. A
previsão numérica confirmou-se: o fluido intermédio pode, de facto, atingir
velocidades de rotação da ordem do dobro da do disco fixo!
Conclusão. Há que ter imensa prudência quanto à afirmação inicial. De facto, nada
garante que um fenómeno calculado exista, na realidade física. Porém, é sempre
importante atentar nos resultados de cálculo, por mais surpreendentes que
sejam: é que podem indicar a possibilidade de ocorrência de fenómenos até então
não suspeitados. Por outro lado, é imperioso evitar consequências, que podem
ser dramáticas, decorrentes da euforia que representaria a confiança cega nos
resultados de cálculo. Há, pois, que adotar a prudência humilde de nada afirmar
até ter assegurado, por validação, que os resultados obtidos são mesmo dignos
de confiança.
Luís Adriano Oliveira