terça-feira, 20 de maio de 2014

Acelerador de Vórtice: da perplexidade inicial à aplicação final

Este texto destina-se a leitores(as) que possuam base mínima de Física para ingressar no primeiro ano de um curso de Engenharia.


Será legítimo afirmar “Este fenómeno físico existe necessariamente, porque eu o calculei”?

Algum tempo atrás, deparei-me com um resultado de cálculo deveras surpreendente: tendo dois discos lisos, de igual dimensão radial, coaxiais e paralelos, ambos abertos para a atmosfera, um fixo e outro rotativo, o meu trabalho de “cálculo numérico de escoamentos” indicou que o ar contido entre ambos poderia rodar mais depressa do que o próprio disco rotativo!! Para tal, bastava aspirar ar através de uma abertura feita no disco fixo, na proximidade do eixo de rotação.

Face a tal resultado de cálculo, a minha primeira reação foi concluir, perplexo, que o processo numérico estava simplesmente a divergir! Mas não desisti: fiz várias verificações e testes, todos eles conducentes ao mesmo resultado. Decidi, assim, ponderar sobre a eventual plausibilidade física desta previsão numérica.

Fez-se, então, luz! Passo a explicar. Na proximidade imediata de cada disco, há variações muito fortes de velocidade do ar, que precisa de se adaptar à velocidade de ambos os discos. Assim, o efeito dissipativo exercido pela viscosidade do ar nestas “camadas limite” é importante. Porém, entre ambas estas duas zonas “singulares”, o ar roda quase em bloco, e a dissipação viscosa é muito pequena.

Por outras palavras, a quantidade de movimento angular, que representa o produto da velocidade angular local pelo quadrado do valor local do raio, tende a conservar-se, em cada elemento de fluido, durante o seu movimento.

Ao aspirar o fluido através da abertura acima referida, estamos a sobrepor, ao escoamento de rotação, um escoamento centrípeto, ou seja, dirigido da periferia para o eixo. Significa isto que a posição radial de cada elemento de fluido está a diminuir, em consequência da aspiração imposta. Como a quantidade de movimento angular da zona que roda “em bloco” tende a manter-se, tal só é possível se a velocidade angular aumentar em consequência. Faz sentido, não?

Para tirar dúvidas, havia que proceder ao que se designa por “validação” do cálculo numérico. Elaborei então uma pequena montagem laboratorial, com as mesmas condições do cálculo. Depois, medi a velocidade de rotação do fluido entre os discos. A previsão numérica confirmou-se: o fluido intermédio pode, de facto, atingir velocidades de rotação da ordem do dobro da do disco fixo!

Conclusão. Há que ter imensa prudência quanto à afirmação inicial. De facto, nada garante que um fenómeno calculado exista, na realidade física. Porém, é sempre importante atentar nos resultados de cálculo, por mais surpreendentes que sejam: é que podem indicar a possibilidade de ocorrência de fenómenos até então não suspeitados. Por outro lado, é imperioso evitar consequências, que podem ser dramáticas, decorrentes da euforia que representaria a confiança cega nos resultados de cálculo. Há, pois, que adotar a prudência humilde de nada afirmar até ter assegurado, por validação, que os resultados obtidos são mesmo dignos de confiança.

Fica, ainda assim, uma questão em aberto: qual a utilidade prática desta constatação, que começou por gerar simples perplexidade? Para já, poderemos ver no dispositivo descrito um “acelerador de vórtice”, que não precisa de pás móveis para produzir a aceleração angular de um fluido. Poderá ser útil, nomeadamente, se a finalidade for misturar fluidos de estrutura molecular delicada, que não são assim sujeitos à “violência” de uma pá. Talvez o(a) próprio(a) leitor(a) possa ter em mente uma outra forma de passar da natureza essencialmente fundamental desta investigação, que aliás já publiquei, à de uma investigação aplicada, quem sabe particularmente relevante… Fica o desafio!

Luís Adriano Oliveira